quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

- Perma o que?

- Permacultura professor!



Eu era estudante de agronomia nos anos 80 do século passado, e antes da metade do curso caiu-me nas mãos o livro Permacultura Um (editado pela Ground em 1983). Independe se foi ironia ou mazela do destino, mas em plena revolução verde, quando a agronomia era considerada a profissão do futuro, descobri que era possível pensar a agricultura de uma forma muito diferente daquela que eu tentava apreender; uma agricultura na qual a intensidade energética fosse suplantada pela biológica, houvesse ciclos mais longos que os próprios agricultores e que o instantâneo cedesse o lugar ao permanente. Uma agricultura para deixar para os netos - a que eu quero!


Capa do livro Permaculture - A Designer's Manual lembrando o Ouroboros, o ciclo eterno da vida.
Não importaram os  emes, esses, dês e pês dos professores, nada sabiam sobre a Permacultura, tão pouco conseguiam conceber uma agricultura desenhada para ser permanente e adaptada ao meio ambiente, ao invés de querer “corrigi-lo”. A bem da verdade dois se interessaram, o Raul, um judeu antigo, sábio e desastrosamente perspicaz, infelizmente já falecido, e o Darci, mais jovem, politizado e ligado no mundo - artigo raro no corpo docente Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


Ontem e hoje.


Hoje este livro pode ser considerado um clássico, mas naquela época, em plena reinvenção democrática do Brasil, eu não tinha a menor ideia de quem eram Bill Mollison e David Holmgren, que haviam escrito o livro em 1978 com 50 e 23 anos de idade respectivamente, e muito menos imaginar a Permacultura como um movimento mundial, tal como hoje se apresenta.

Shtako! Ele nunca foi reeditado no Brasil, e  a revisão de 1979, Permaculture Two: Practical Design for Town and Country in Permanent Agriculture nem foi traduzida para o português, e no final dos anos 80, com a invenção brasileira da “Agricultura Alternativa” em oposição à Revolução Verde, a Permacultura acabou soterrada e pasteurizada, junto várias outras propostas como a Biodinâmica do Steiner,  a Agricultura Natural de Okada e a Orgânica de Howard, mas quem quiser entender mais deste período e como se organizou a arena de ideias da sustentabilidade no campo da agricultura, recomendo a produção de Jalcione Almeida, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS e um amigo que encontro menos que queria e devia.


Voltando para a Permacultura, apenas em 1991 houve outra publicação em português: Introdução à Permacultura por Mollinson e Reny Mya Slay (até hoje tento achar este livro), e dez anos depois, quando já havia alguma divulgação e o movimento se organizava no Brasil, um voluntário chamado Cássio P. Octaviani traduziu para o site Barking Frogs Permaculture a série de panfletos do curso de Design em Permacultura ministrado em 1981 por Mollinson, sob o nome de Introdução a Permacultura. Curiosamente, o panfleto XV - Permaculture for Milionaires não foi incluído nem na edição original americana, nem na brasileira.


Lastimo que no rol dos clássicos, o Permaculture - A Designer's Manual (1988) reste ainda sem tradução. Cheguei a tentar convencer o pessoal Núcleo de Estudos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário da importância desta publicação, mas eles estavam mais interessados em agroecologia e outros temas da área de humanas. Diferente dos livros conceituais de Holmgren: Permacultura princípios e caminhos além da sustentabilidade, editado em português em 2013, e o opúsculo Fundamentos da Permacultura, uma pérola livre para baixar pelo site do autor Holmgren Permaculture Desing vision and innovation.



Quase todo mundo que fala da Permacultura registra Mollinson e Holmgren como fundadores, o que está certo, ocorre que por ignorância ou descaso, ao falarem das raízes da Permacultura, quase sempre os comentários só abrangem aspectos pitorescos dos aborígenes australianos e dos povos ancestrais da Tasmânia donde veio Mollinson, porém há várias fontes como Smith, J. R. é pioneiro em ver árvores como uma cultura agrícola em seu Tree Crops and Permanent Agriculture de 1950, e Kropotkin, visionário do planejamento agroecológico em Fields, Factories and Workshops of Tomorow traduzido para o inglês em 1974, ambos citados no Permaculture One.


Destarte um “avô” é quase sempre esquecido, embora seja peça fundamental para compreender de onde veio tudo isso. Seu nome é Masanobu Fukuoka, agricultor e microbiologista e/ou patologista vegetal japonês, falecido em 2008, e reconhecido como fundador da Agricultura Selvagem (nas fontes internacionais é recorrente o termo Natural Agriculture, porém no Brasil pode haver confusão com a linha de Mokishi Okada, ou de Hiroshi Seó, em seu livro bem conhecido). As bases estão nos seus livros de 1975 The One-Straw Revolution e The Natural Way Of Farming - The Theory and Practice of Green Philosophy, traduzidos para o inglês em 1978 e 1985 respectivamente, e logo depois para várias outras línguas.


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Mollison e Fukuoka.

Infelizmente, sua abordagem filosófica e estética de uma agricultura em busca da perfeição humana sofreu comentaristas apressados e leitores de orelha desrespeitosos, capazes de simplificadamente dizer que se tratava de uma agricultura de “Não Fazer Nada” ponto, apenas por preconceito tocado por incapacidade, ou preguiça de alcançar a profundidade de seus princípios, para os quais não fazer é uma forma de ação.

Foi revolucionário, em plenos anos 70, quando o capitalismo acabara de invadir o campo em todo o mundo, expulsar para a pobreza milhões de agricultor@s e por toda humanidade no rumo das mudanças climáticas, propor uma agricultura para o homem e não para o mercado.

Nela era desaconselhado arar o solo, cultivar as plantações e podar as árvores frutíferas, proibido o uso de agrotóxicos, e tidos como dispensáveis o uso de máquinas, adubos e compostos. Plantar, só com um mínimo de perturbação do solo, suprimindo as plantas dispensáveis com métodos semi artesanais e intensivos.



Como não chamar de estúpidas as pessoas que confundem "não fazer" com "não interferir"?

Fukuoka, nos 50 anos dedicado a agricultura e filosofia, além de ter reflorestado vários desertos pelo mundo com suas técnicas, deu várias contribuições práticas valorosas. A mais conhecida é o resgate do encapsulamento de sementes praticado na antiguidade, que aprimorou e chamou de "Nendo Dango".

Nele as sementes são sobre semeadas nos campos dentro de pequenas bolinhas de barro, por vezes se lhes adicionando pimenta para a proteção e misturas que correspondessem aos objetivos do plantio, como a inclusão do trevo branco, por ser precoce e servir para restringir o crescimento das plantas competidoras, além de proteger o solo do excesso de sol e incorporar nitrogênio.

http://www.mendozaverdoza.com.ar/

Se houver ventura, técnicas, histórias e lendas da Permacultura e outras linhas a agricultura ecológica serão aprofundados em posts futuros, aguardem, mas se puderem, comentem já, pois será um prazer organizar a abordagem de forma iterativa.

Por fim, mas não menos importante, várias das publicações citadas estão disponíveis na internet, algumas de forma oficial, outras oficiosas e até genéricas, então se alguém precisar de algo que não encontre, pode entrar em contato por e-mail que tento ajudar.

Quase esqueci: Viva o prêmio recém concedido a Ana Primavesi ! ! ! !


Cultive-se !


Um comentário:

  1. Olá, obrigado pelo artigo.
    Eu gostaria de fazer uma correção: você cita que, na série Curso de Design em Permacultura, não consta o capítulo XV, "Permaculture for Millionaires", tanto na versão original americana como na tradução para o Português.
    Eu gostaria de informar que o capítulo está de fato incluído em ambas as versões, a partir da página 56. (está fora de ordem, pois na última versão das apostilas, ele foi condensado juntamente com o capítulo VII, "Permaculture for Fire Control").

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