Quando tinha mais ou menos 17 anos, já passava quase todas minhas férias na Borrússia, e um mundo rural, rústico e surpreendente, lançava contrastes sobre mim que se apegavam nas coisas que eu mais gostava, lhes transformando em uma dialética estranha. Em poucos anos, creio, aquilo que realmente me movia estava impregnado dessa elaboração particular do rural, que não negava a vida urbana, mas a encaixava como podia, hora subordinando-a, hora sendo suplantada em mutua invasão.
Mas o que porcos e foguetes fazem nesse enredo?
De todas as místicas rurais daquela época, creio que "O dia de matar porco" era das mais intensas, um um evento planejando dias antes, quando o animal tinha o destino selado e era posto para "limpar", numa espécie de corredor ma morte. Cometido o "assassuinato", como um amigo chamava, a primeira tarefa era a pela artesanal derramando água fervendo sobre o corpo do animal e raspando os pelos com facas (tem quem ponha fogo...), depois, simplificando as etapas, as carnes eram separadas, os miúdos fervidos e moídos para fazer morcilha e o torresmo prensado para fazer a banha. No final, estávamos exaustos, cheios de pequenas queimaduras e cortes, enfumaçados - intoxicados na verdade - e muito contentes.
Então era necessário muita lenha para ferver a água em um caldeirão de ferro, de 60 ou mais litros reabastecido seguidamente, que ficava improvisadamente meio pendurado, meio apoiado, em três pedras grandes (suspeito que por isso os caldeirões têm três pés) sobre uma fogueira forte acesa por quase 5 horas.
Este tipo de fogueira, comum em todos os locais do mundo desde o tempo das cavernas, só não é a forma mais ineficiente de aproveitar a energia da queima da madeira, porque há a possibilidade de fazê-la em aberto, sem proteção alguma. Eis um problema para a humanidade, pois combustíveis renováveis dependem de uso sustentado e em diversos locais do mundo, onde só se cozinha com lenha ou carvão, estes combustíveis estão cada vez mais raros, causando outras complicações além das ambientais, como por exemplo onde há paz, as pessoas gastarem muito tempo produtivo catando lenha, e onde há guerra, buscar lenha de locais ermos e afastados é um perigo extremo. Além disso, o fogo dentro das casas causa contaminação do ar doméstico, afligindo especialmente as mulheres que cozinham em meio a fumaça, além do risco acidentes com crianças e pouca higiene.
Muito básico, barato, seguro e funcional. |
Ninguém deve queimar mais lenha do que precisa, nem respirar fumaça, e foi, possivelmente, pensando em algo assim, que Larry Winiarski, um Engenheiro Mecânico com Ph.D., desenvolveu em 1982 os princípios do que seria o Fogão Foguete, ou "Rocket Stove", como é mundialmente conhecido. Ele continua pesquisando e difundindo a queima limpa e eficiente de combustíveis renováveis no Centro de Pesquisas Aprovecho, seu rancho no Estado Americano do Oregon (Aprovecho.org), e sinceramente espero que um dia tenha o reconhecimento merecido por seu exemplo de se preocupar, antes, em mudar o mundo, do que buscar registros, direitos e patentes, coisa que Alfred Nobel, o inventor da dinamite e do prêmio de mesmo nome, só fez depois de muito rico e muito velho, quando decidiu ter remorso.
Dr. Larry Winiarski <http://misfitsarchitecture.com/tag/rocket-stove/> |
Nela o ar entra com mais força e se aquece rapidamente, em turbilhão, ao passar por dento do fogo, faz a temperatura do sistema se elevar, e com a ajuda de algum isolante térmico, o local da combustão pode alcançar temperaturas entorno de 1.000°C que na saída ultrapassam 500 °C. O suficiente para queimar o carbono da madeira e provocar uma segunda queima dos extratos orgânicos volatilizados que produzem a fumaça e são extremamente tóxicos, desta forma se obtém até 40% a mais de calor com a mesma quantidade de madeira e quase não há emissão de gases além de CO2.
Parece complicado, mas é muito simples na verdade e ao redor do mundo há muitas pessoas desenvolvendo projetos humanitários para a distribuição destes fogões ou de outros tipos, mas com queima eficiente, usando os mais diversos materiais, formas e aplicações (Improved Biomass Cooking Stoves), assim como há uma multidão de donos e donas de quintal se aventurando em projetos DIY (Do It Yourself), campistas e desesperados como os da foto ai de baixo...
O conhecimento é portátil! Rocket Stove imporvisado matando a fome da gente na obra. |
Como se tratam de princípios e não de um modelo, existe uma infinidade de projetos e materiais possíveis. Há fogões foguete de barro, tijolo, aço, há fornos adaptados, há desidratadores de frutas, modelos de secadores de grãos de leito fixo, aquecedores de água, aquecedores de ambiente, fogões domésticos de chapa de ferro, saunas, modelos imensos e portáteis, enfim, centenas de paginas na internet, infelizmente repletas de Crtl+C e Crt+V sem fontes nem valor. Então pode parecer complexo, mas atendo-se aos princípios e algumas regras práticas é fácil desenvolver um modelo funcional, e sempre que houver uma dúvida vá para a origem: Aprovecho Research Center - Desing .
Diretrizes:
- Use material resistente na câmara de combustão (tijolos refratários ou peças de ferro grosso), para garantir a combustão em temperatura elevada e durabilidade.
- Adicione isolante externo na câmara e na chaminé (cinzas peneiradas são uma ótima opção).
- Use uma grelha dentro do fogão para afastar a lenha em combustão do fundo, assim o ar virá por baixo e entrará aquecido e em quantidade suficiente na câmara de combustão.
- Preste atenção para as proporções:
- a área da seção de entrada (A) deve ser igual a de saída.
- o comprimento deve ser pelo menos 2 X a altura (ou diâmetro) da entrada.
- a altura da base até o topo deve ser 3 X a altura (ou diâmetro), ou no mínimo 2,5 X mais 5 cm.
- a grelha deve ficar 1/3 da altura (ou diâmetro) de entrada.
- a panela deve ficar elevada na saída (metade da altura da grelha).
- abas envolvendo a panela ajudam na eficiência, mas a distância deve permitir boa exaustão (no mínimo a metade da seção da saída).
http://www.setelombas.com.br/ |
Queime-se.
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